segunda-feira, 20 de junho de 2011

Visões que se desdobram: a arquitetura na era da mídia eletrônica.

Texto escrito por Peter Eisenman e publicado pela revista Domus em 1992, o arquiteto americano separa a arquitetura dos aspectos sociais, e sabe que a era da média eletrônica exige uma nova estética, que é o que ele pretende explorar.
As mudanças decisivas nas ciências e nas artes ocorridas a partir da segunda metade do século XX acarretaram sérias mudanças na sociedade, mas que essas mudanças não chegaram a interferir na arquitetura, e só começam a ganhar substancia para a arquitetura com a introdução das tecnologias eletrônicas nos processos de representação e produção. Só com a chegada dos computadores, segundo Eisenman, a arquitetura enfrenta o desafio de substituir a máquina mecânica como seu referencial. O computador opera uma convergência, desloca os tempos do pensar e do fazer para um tempo e espaço simultâneo em que todos os conhecimentos podem participar na consecução da experimentação e da reflexão. Peter Eisenman talvez tenha sido o primeiro a compreender a questão, ou pelo menos a formular o ponto de vista da arquitetura. Ao se questionar do por que da dificuldade e da resistência da arquitetura em relação as transformações, encontra na visão resposta possível a esse problema.
No texto, ele visa explicar em poucos parágrafos a mudança do que ele chama de o ‘paradigma mecânico’ para o ‘paradigma elétrico’, e depois parte para descobrir como a arquitetura deveria responder a essa mudança. Segundo ele, a mudança dos paradigmas ocorreu após a Segunda Guerra e como exemplo ele mostra o impacto de dois modos de reprodução: a fotografia (dentro do paradigma mecânico) e o fax (paradigma eletrônico).
Mais especificamente para a arquitetura, o paradigma eletrônico se dá na abordagem da visão.
Eisenman busca a reflexão sobre a forma que o sujeito olha uma obra de arquitetura – forma monocular e antropocêntrica, vinculada à questão da invenção da perspectiva desde século XVI. A perspectiva direciona o olhar e prende-se esse modo de ver limitado e racionalizante, pois nos faz aprender o espaço por inteiro. Ele fala que a invenção da perspectiva linear se deu numa época de mudança de paradigmas, quando houve o deslocamento do teocentrismo para antropocentrismo. Ele coloca que o deslocamento da visão talvez exija uma inscrição que resulte de um discurso externo, que não esteja determinado nem pela expressão de um desejo, nem pela função.
As ambigüidades que a mídia introduz poderiam facilmente ser identificadas com a confusão da falta de hierarquia e de disciplina nas coisas que vemos na mídia eletrônica. Eisenman, diz que a perspectiva domina o espaço da arquitetura, e que ela dominou a visão.  Já se sabe quanto a perspectiva domina a realidade, que é a forma como o cérebro percebe o que vemos.

“Enquanto a arquitetura se recusar a aceitar o problema da visão, se manterá dentro de uma visão renascentista ou clássica de seu discurso. Agora, o que significaria para a arquitetura aceitar o problema da visão? Visão pode ser definida essencialmente como uma maneira de organizar o espaço e os elementos no espaço. É um modo de olhar e define uma relação entre sujeito e objeto. A arquitetura tradicional está estruturada de tal modo que qualquer posição ocupada por um sujeito fornece os meios para compreender aquela posição em relação a uma tipologia espacial particular (...)
Suponhamos por um momento que a arquitetura pudesse ser conceituada como uma tira de Moebius, com uma continuidade não quebrada entre interior e exterior.  O que isto significaria para a visão?  Gilles Deleuze propôs exatamente tal possível continuidade com sua idéia da dobra.  Para Deleuze o espaço dobrado articula uma nova relação entre vertical e horizontal, figura e fundo, dentro e fora – todas as estruturas articuladas pela visão tradicional. (...)
A dobra muda o espaço tradicional da visão.”

A partir das dobras, Peter Eisenman afasta-se do desenho e alia-se ao computador. Ou seja, é, nesse momento de sua atividade arquitetônica, que encontra nos diagramas (espécie de grelha para compor a volumetria e dividir os espaços) sua metodologia compositiva suas formas “dobradas” são planos e arestas inclinados, fragmentados e descontínuos formando sempre ângulos não-retos. Esse envelope instável encerra espaços desordenados, sem hierarquia de formas. É uma outra abordagem para a quebra da organização mental do ambiente tridimensional. É uma tentativa de libertar-se da formatação tradicional de “leitura” da realidade. Eisenman pretende que sua arquitetura seja uma resposta ao excesso de estímulos gerados pelo aparelho da Era da Mídia Eletrônica, que ele supõe destruírem a mecânica da visão que aprisionava as formas arquitetônicas em proporções matemáticas.

“Com intenção de mudar a relação de projeção perspectivista para espaço tridimensional é necessário mudar a relação entre desenho de projeto e espaço real. Isto significaria que não se poderia mais desenhar com qualquer nível de significado aquele espaço que está sendo projetado. Por exemplo, quando não é mais possível desenhar uma linha que tenha uma relação de escala com outra linha no espaço, isto não tem nada que ver com a razão, da conexão da mente com o olho. A deflexão da linha no espaço significa que não existe mais uma correspondência de escala de 1:1.
Meus projetos dobrados são um começo primitivo. Neles o sujeito compreende que ele ou ela não consegue mais conceituar a experiência de espaço da mesma maneira que ele ou ela faziam no espaço quadriculado. Eles tentam promover esse deslocamento do sujeito do espaço efetivo; uma idéia de presentidade. Uma vez que o ambiente se torna afetivo, inscrito em uma lógica ou ur-lógica, que não pode mais se traduzido pela visão da mente, a razão se torna desprendida da visão.”

Ele entende que a arquitetura deve ser criada como escrita, dentro de um sistema de signos que na verdade não podem ser “lidos” pois não significam nada, acredita que uma nova arquitetura deva ser criada porque a realidade que vivenciamos é determinada pelo paradigma eletrônico.
“A mídia introduz ambigüidades fundamentais em como e o que vemos. A arquitetura tem resistido a esta questão porque, desde a importação e absorção da perspectiva pelo espaço arquitetural no século XV, ela vem sendo dominada pela mecânica da visão... É precisamente este conceito tradicional do olhar que o paradigma eletrônico coloca em questão.”

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